quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Conversando Com Ubatuba


Olá minha querida Ubatuba. Como estás mudada, tão diferente!
Lembras quando te conheci? Você era tão bonita, tão cheirosa; com suas matas em flor, seus manacás, as cercas que demarcavam suas terra eram feitas de bastão ou mimo; lembras?
Onde estão suas "ciosas" ou mesmo as magnólias? Onde estão suas aroeiras e pixiricas, frutos preferidos dos bem-te-vis e sabiás? Deram lugar ao campo de aviação, não é?
Você era tão perfumada. As flores que cercavam seus arredores exalavam um perfume doce. Quando a gente acordava de manhãzinha sentia aquele perfume gostoso (quantas saudades).
Lembras do rio Grande? Que beleza! Suas águas eram limpinhas e cheias de vida; camarões, lambaris, carás, tainhas, robalos... Da esquina da máquina pra cima já era o Mato Dentro e todos se serviam de suas águas para beber, lavar roupas, tomar banho e no verão era a diversão das crianças que mergulhavam, andavam de canoas, pulavam do barranco, se jogavam de um cipó dependurado em uma árvore, enfim, tudo acabou e confesso que tenho saudades.
Lembras da praia do Itaguá ou mesmo a do Centro, por ali onde fica hoje o parque, lembras? Ali, o Lâmpio, o Gerra, o Alfredo Vieira, o Fifo e tantos outros, davam cada lanço de OBEBA da galha amarela, GONGUITO, MARIA-MOLE; que dava gosto da gente ver. Eles faziam aquelas fieiras e saiam vendendo ou trocando por farinha ou banana. Todos compravam sem receio de poluição ou contaminação.
Ali, quando a maré vazava, na nova ou cheia, lá íamos afinar a sola dos pés para cavoucar o marisco SAPINHAUÁ e o PREGAUÁ, para comer com banana verde. Como era bom aquele tempo!
Lembro também dos grandes lanços de tainha, e teve uma época que tinha acabado o sal na cidade, e daquela tainhada toda só se aproveitava às ovas. Imaginem que fartura!
Havia dificuldades. Não existiam transportes adequados e as estradas de ligações eram precárias. Não havia linha de ônibus; o que tinha era uma JARDINEIRA, de um senhor com nome de Pacheco que transportava o pessoal daqui para Caraguá, Taubaté e vice-versa. Era difícil, realmente, mas mesmo assim tenho saudades!
Tenho saudades daquele tempo. Tempo em que se tinha mais liberdade; o povo era mais irmanado, mais amigo, mais respeitoso, mais religioso e mais festeiro. Lembro das festas, das danças, das brincadeiras, enfim do seu folclore; tudo tinha muita beleza.
Hoje o progresso chegou e tudo mudou. Mudaram suas festas, suas pescas. Poluíram seus rios, cortaram suas matas, sujaram seu mar... Onde estão os GONGUITOS, os PARATIS-BARBUDOS, as TAPERÁS, os MEROS e as CARANHAS que o Zecapão ferrava com sua linha de tucum? Onde está a laje na boca da Barra que o Sidônio tirava marisco preto para comer e vender? Onde estão os AMBORÉS e GUAIAMUS dos mangues que eram limpos e não tinham óleo e nem esgoto?
Corta-me o coração de te ver tão desprezada, eu que te conheci tão bonita, tão gostosa, com tanta saúde... Corta-me o coração te ver assim!
Ubatuba! Que o progresso venha para você com consciência, de forma controlada e planejada. Que você seja tratada com carinho, respeito e dignidade pelas autoridades, pelos políticos e pelo povo desordeiro que aqui chega devastando, carecando suas montanhas, cocôzando seus rios, xixizando suas praias.
Mas não tem nada, minha querida Ubatuba, sei que tu és forte, és valente e que vais superar tudo isso. Pedirei a Deus que te cubra com seu Manto Sagrado e que seus filhos olhem por você...
Autor: João Barreto Mesquita